quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Literatura no Cinema: Entrevista com o Vampiro


  •       Para entendermos o vampirismo e sua presença na literatura, precisamos falar sobre os sonhos, que são enredos do nosso inconsciente. Enredos estranhos, na maioria das vezes muito mais estranhos que qualquer história de vampiro e que parece ocultar algum misterioso sentido. Os psicanalistas tentam decifrar esse sentido, descobrindo algo assim como uma lógica das emoções que produzem os sonhos. O que importa aqui é que o sonho é tentativa de realização do desejo. As maquinações do inconsciente são espécies de enigmas que apresentam uma história a ser decifrada. História que funciona como uma espécie de válvula de escape daquilo que é reprimido (alguns desejos e impulsos são proibidos por causarem desequilíbrios, e portanto, não afloram à mente diretamente, mas alegoricamente, em outra linguagem). A questão é que o escritor não precisa ter abusado da salada para escrever histórias escabrosas que se passam em lugares escuros em que habitam criaturas não-mortas, mortos vivos; sem dúvida tais escritores brincavam com seus sonhos, deixando-se contagiar por seus signos, lidando com o proibido que é, ao mesmo tempo, o horripilante e a sedução, pois o sonho fala do desejo.

Aidar e Maciel (1988: 26)
Ficha do filme:

 Entrevista com o Vampiro
(Interview with the Vampire: The Vampire Chronicles, 1994)
• Direção:
- Neil Jordan
• Elenco Principal:
- Tom Cruise
- Brad Pitt
- Kirsten Dunst

• Sinopse: Um vampiro do século XVIII dá uma entrevista a um jornalista de nosso tempo, contando como foi mordido pelo lendário Lestat e todo o caminho que percorreu até estar ali.

Sinopse do Livro:
Numa época de vampirizações em todos os níveis e de descoberta do ser, nada mais atual do  que lançar Entrevista com o vampiro, o já clássico livro de Anne Rice. Painel de um mundo habitado por seres para quem paixões dilacerantes, mecanismos cruéis de dependência e banhos de sangue são a regra, nunca a exceção, o romance de Anne Rice encontrou em Clarice Lispector uma tradutora à altura. Interprete sensível, Clarice é uma razão a mais para se ler essa narrativa vampiresca em que a fantasia está solta, mas a realidade espreita por trás do gótico, do terror e do rasgadamente romântico.

Artigo:

Quando falamos de Entrevista com o Vampiro de Anne Rice não falamos de obra sobre vampiros qualquer, tratamos de um clássico da literatura repleto de complexidades. Rice partiu da história de Louis de Pointe du Lac, de Lestat de Lioncourt e de Claudia, relatada a Daniel Malloy em um quarto de hotel, para criar um universo de angústias existenciais, questionamentos religiosos profundos, dúvidas sobre padrões comportamentais, éticos e morais, questionamentos estéticos, inquietude e insatisfação constante, tudo envolto em muita sensualidade, violência, beleza, crueldade, amor, estilo, compaixão e elegância. Quando somos levados ao mundo de Luis somos automaticamente induzidos a questionar nossos valores, nossas crenças, nossos sensos estéticos...
Anne Rice coloca no livro muitos de seus questionamentos pessoais, como podemos ver na personagem Claudia. A criança precocemente transformada em vampiro por Lestat é inspirada na própria filha da autora, que morreu precocemente aos 5 anos de idade por conta de Leucemia. Claudia representa “a criança que não pode morrer” (palavras de Rice em uma fala da personagem Madeleine), além de sua imortalidade Claudia tem que lidar com o amadurecimento de sua mente, enquanto seu corpo permanece o mesmo. Ainda falando dos questionamentos de Rice podemos também falar sobre a “substituição” de Deus pelos seus personagens, como vemos no trecho a seguir:
O mal é um ponto de vista (...) Deus mata, assim como nós; indiscriminadamente. Ele toma o mais rico e o mais pobre, assim como nós; pois nenhuma criatura sob os céus é como nós, nenhuma se parece tanto com Ele quanto nós mesmos, anjos negros não confinados aos parcos limites do inferno, mas perambulando por Sua terra e por todos os Seus reinos.
– Lestat de Lioncourt 
Na minha interpretação, Rice após a perda de sua filha e de sua mãe começou a questionar sua crença em Deus, entrementes também questiona o Seu poder e deseja que a realidade de um deus seja outra, onde Ele pode levar os defeitos humanos Consigo e acima de tudo que Ele possa dar uma vida eterna a seus escolhidos, ainda em sua passagem pelo mundo. Suas inseguranças quanto à religião também podem ser vistas em Louis, traduzida em seu sentimento de culpa por ser quem ele é – no contexto, um assassino – e na sua busca de descobrir quem ele é. Como é possível ser uma criatura do mal e lamentar o sofrimento alheio e a própria condição de ladrão de vidas? E aí nos chegamos a Lestat de Lioncourt que junto a Armand cria um contraponto para com Louis. Lestat acredita que é quase Deus propriamente dito, e mata como tal para satisfazer o seu desejo de sangue, acredita que gradações do mal e entrementes - na visão de Louis, é importante frisar - passa a impressão de ser um ser frio e ignorante, mas o motivo disto será discutido no próximo parágrafo. Quando chegamos a Armand discute-se a perda de personalidade ao longo dos séculos, afinal será mesmo que se pode viver para sempre, mesmo com tanto poder, será que conseguiríamos resistir e assistir o mundo se modificando enquanto nós mesmos permanecemos os mesmos? Fica claro no livro, explicado nos exemplos anteriores, a crítica à moralidade cristã.
            Todos os personagens do livro levam consigo a época, o tempo histórico em que foram criados, de forma que Louis criado no inicio do século XVIII é um fazendeiro de uma colônia francesa nos EUA que acha que está acima de todos, achando então que Lestat - apesar de ter vindo de Paris -, é um ignorante (por não passar a ele seus conhecimentos ele simplesmente pensa que ele não os tem) e leva consigo a descrença de todo um século. Podemos ver o mesmo em Lestat, nascido na França pré-revolucionária tem seus ideais iluministas e sua vontade de crescer, sair da repressão de seu pai e se tornar um artista famoso (assunto abordado somente no 2º livro)
            Falando sobre o filme, o ponto de polêmica inicial foi a escolha dos atores, em especial a de Tom Cruise como intérprete de Lestat. Cruise, assim como Brad Pitt, em meados da década de 1990, era visto apenas como um rosto bonito destinado a decorar as telas em busca de dinheiro, então Anne Rice criticou publicamente a sua escolha para o papel, se arrependendo depois, afinal Tom Cruise representou com perfeição a irreverência, a violência, a personalidade apaixonada de Lestat a ponto de jogar no vácuo, definitivamente, os preconceitos daqueles que o consideravam como incompetente, inclusive da própria Anne Rice. Não podemos deixar passar a ótima atuação da pequena Kirsten Dunst. Na época, com apenas 12 anos, a atriz assumiu com louvor uma personagem que foi reelaborada (a Claudia do livro tem apenas cinco anos), mas que continuou  extremamente complexa. Claudia é um estridente ponto de interrogação que não se revela em momento algum, nem mesmo no livro. Não se tem uma perspectiva maior de sua vida interior e se poderia até pensar que Rice teve pouca habilidade ao desenvolver Claudia se não fosse o caso da personagem ter sido inspirada como já citei em sua própria filha, perdida para a leucemia aos cinco anos de idade.
            O roteiro, filmado pelo irlandês Neil Jordan, foi desenvolvido pela própria Anne Rice que não fez mais do que adaptar seu livro às exigências do cinema. Da história original foi omitido o que se poderia considerar como excesso, mas mantido plenamente o clima gótico, o fatalismo, a melancolia...
Os vampiros de Rice e Jordan transitam pelo mundo, tomam parte na vida das pessoas, as observam de pontos privilegiados e traduzem o mais profundo da alma humana ao refletir suas necessidades essenciais. Eles buscam compreender o mundo, a humanidade, o tempo histórico, os anseios da alma por amizade, companheirismo e cumplicidade, por complementação, por amor, enfim.
Apesar de sobrenaturais, eles continuam humanos e o amor, para eles, é questão central. O amor exacerbado pela vida enfrenta a necessidade desesperada de dar e receber amor em virtude de existências solitárias que se prolongam por séculos. Talvez esse sim seja o ponto que justifica o sucesso de Anne Rice, pois algo de fantástico é tratado pela arte como não mais do que humano e, ao mesmo tempo, tão fantástico quanto somente a própria odisséia humana pode ser.  O amor é amor entre almas, o encontro de essências espirituais que se realiza pelo sangue que é fonte de vida, tanto quanto o próprio amor é essência que transcende o tempo. 

Bianca

Fontes:

Livro: As crônicas Vampirescas: Entrevista com o Vampiro, Anne Rice (1976)
Filme: Interview with the Vampire: The Vampire Chronicles, 1994
  
Trailer:






           

4 comentários:

  1. Muito bom, alias, excelente! Meus parabéns para a escritora, ela acaba de despertar-me imensa vontade de ler Anne Rice. Valeu :]

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  2. Rs, muito obrigado Gabriel. Leia, é uma ótima série de livros, você não se arrependerá.

    Bianca

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  3. Após uma segunda leitura, bem mais estática e atenciosa, foi possível notar - com mais afinco - não só a qualidade ortográfica como também a notável facilidade em demonstrar o que pensa quando a colunista compara o livro ao longa-metragem.
    Confesso que não partilho de qualquer gosto por estórias vampirescas. Entretanto, o post fez com que surgisse o anseio de, ao menos, assistir ao filme.
    E aí, Bianca. Quando vamos vê-lo juntos?
    Brincadeiras a parte, foi um ótima escolha para a proposta de comparação entre filme/livro.
    Diria até que gerou uma gostosa jactância em te ter como namorada.

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  4. Nossa, com um comentário tão bem redigido o meu texto fica parecendo nada. Muito obrigado pelos elogios e por me incentivar sempre a buscar conhecimento. Acho que sem você coisas assim não seriam possíveis.

    Bianca

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